terça-feira, agosto 28, 2012

Skydome Cup: A Taça Que Veio Do Frio (Parte I)


Para surgir um jogo em que o Javi García não mereça cartão são precisos mais de 6.000 minutos.
Para aparecer um golo de Wolfswinkel esperamos cerca de 900 minutos.
Para que o Vítor Pereira seja assobiado são necessários 5 minutos.
E para que o Nélson Oliveira fosse considerado um grande jogador demorou apenas 0,2 minutos.
Mas para contar uma boa história são precisos 90 minutos.

90 minutos – a rubrica da Cromos da Bola, SAD, que analisa os factos marcantes da bola lusa. Sem censura. Hoje, a reportagem que faltava sobre a mítica Skydome Cup, o único título do futebol sénior português.

Entalada entre a Geração d’Ouro e a Geração Scolari viveu a Geração Skydome. Remetidos a um agoniante anonimato, estes heróis desvalorizados conquistaram o único título do futebol sénior português. Mais ainda: foram a única selecção de futebol sénior europeia a trazer um título de fora do seu continente no século XX. Mas nem por isso mereceram a gratidão do adepto luso. “Fomos escorraçados como ratos do navio da História”, lamenta-se um amargurado Nelo, o capitão desta ínclita geração. “Tinha o mundo todo à minha frente, estava no auge da minha polivalência… e ainda tinha cabelo; um cabelo estranho, mas, caramba!, era cabelo!”, prossegue em jeito de desabafo, com os olhos humedecidos colocados nas suas botas de bicos afiados e gestos bruscos das mãos que entram e saem dos seus jeans Sóveste. Nelo sente a injustiça a ferver nas veias e depois resigna-se, pontapeia desajeitadamente uma pedra no caminho que sai pela linha de fundo da vida e diz como forma de consolação “’sa foda, o Tavares nem calçou, por exemplo, e eu pelo menos levantei a taça”.


A cumplicidade entre Nelo e Tavares tornou-os num ícone pop 
de Portugal dos últimos 50 anos, a par de outras duplas famosas.
Estávamos no início de 1995. Nelo e Tavares davam cartas no embaralhado Benfica do Rei Artur e tudo lhes era permitido. A Lisboa cosmopolita e soalheira de final de século dissimulava perigosas tentações para esta dupla infernal. Para eles, esta cidade tornou-se numa Las Vegas de excessos, a urbe de todos os pecados, a capital de todas as orgias. Nelo recorda-se bem dessa demência descontrolada: “Foi nessa altura que me chutei pela primeira vez”. Pois, o pesadelo das drogas. “Não, foi um movimento peculiar que inventei num treino, que consistia em pontapear-me a mim mesmo quando fingia passar a bola. Toda a gente ficou maluca. E eu deixei-me levar. Levantava-me de manhã já só a pensar no próximo chuto, foram meses só a pensar quando me ia chutar. Gastava todo o dinheiro no bingo e em caneleiras que se partiam ao fim de dois ou três treinos. Já estava todo marcado, até no cu me chutei. E depois, vieram as mulheres. Ah, as mulheres do Benfica... Tinha as mulheres todas que queria: a Leonor Pinhão, aquela desdentada do 3º anel, a gaja do garrafão, a preta mamalhuda que nunca se lavou, enfim, estava no paraíso. Aquilo afectou a minha qualidade de jogo, como é bom de ver”. Eram tempo doidos, de facto. O frenesim das grandes metrópoles sentia-se nos ensejos de multiculturalismo que latejavam. Bonga arribava pelos tops e, não muito depois, Iran Costa fez a sua homenagem a essa louca Lisboa, com um arrojo visual que deixava transparecer o psicadelismo muito intrínseco da época. E, quando o campeonato parou a seguir ao Natal, a FPF aceitou esse convite à internacionalização e um cachet de 200.000 contos (997.596 euros) para se deslocar ao Canadá e fazer duas partidas de futebol indoor contra os anfitriões e a Dinamarca. António Oliveira, o seleccionador, estabeleceu uma quota de três jogadores por clube grande e os eleitos do Benfica foram Nelo, Paulo Madeira e Neno, riscando assim da história Tavares, o eterno compincha de Nelo. “A nossa relação nunca mais foi a mesma a partir daí. Deixámos Lisboa ao fim de pouco tempo, largámos aquela vida maldita e ainda aguentei mais dois anos em comum. Mas já discutíamos por tudo e por nada, senti que perdêramos a chama da paixão e o divórcio foi inevitável”. Inveja? “Talvez. Mas eu perdoo-o; o Tavares também estava muito consumido por aquele ambiente e chegou a sofrer do síndroma-Barroso”, referindo-se a uma célebre, e embaraçosa, indisposição intestinal que acometeu o seu ex-colega em Milão.


A volta de consagração dos heróis de Toronto em tons sépia 
(para parecer mais heróico)
Entre polémicas e surpresas, a Selecção aterrou em Toronto com 13 graus negativos naquele final de Janeiro de 1995. Privada de grandes nomes por força da pressão dos grandes clubes nacionais e europeus, depositou as suas esperanças em nomes menos sonantes, à laia dos “seabrinhas” uns anos antes, mas nem por isso menos virtuosos. Como o então vimaranense Pedro Barbosa. “O que mais me custou foi ter que degustar aqueles muffins gigantes e as saudades do belo croissant”. Ou Sá Pinto. “Estava a começar a expor o meu futebol. E também ainda tinha dentes de vampiro. Mas só tinha aspecto de mau, nem uma bofetada no José Romão era capaz de dar nessa altura sem que me doessem os dedos”. Ou ainda Calado, ainda virgem no que a internacionalizações concernia. Mas Calado optou pelo silêncio, declinando falar connosco. Mais jogadores foram desflorados com a camisola principal das quinas, marca Olympic, como os baixinhos Vado e Caetano.
Caetano, o ratinho atómico de Santo Tirso, lembra com ternura a oportunidade que teve de vestir aquela camisola, enquanto sobe a um banco para se aproximar do nosso gravador. “Aaah, adorei! Aquele design de camisola era fantástico! Aquilo servia-me de camisola, calças, meias, avental e cobertor. A expressão «vestir a camisola» adequou-se-me muito bem; aliás, eu não precisava de vestir mais nada para ficar todo coberto”. Vado, a quem o sucesso voltou as costas, foi outro português deslumbrado. “Foram os melhores momentos da minha vida, que guardo com enorme orgulho. Finalmente, alguém reconhecia o meu valor. O facto de ter sido o primeiro a ser substituído em ambos os jogos quando era preciso acrescentar algo à equipa e de nunca mais ter sido chamado não me beliscou minimamente”. Quem lhe beliscou, entre outras diatribes, foi Jorge Costa. O ex-central sentiu-se incomodado por ter tanta gente estranha à sua volta, como nos revelou num registo desapaixonado. “Pensava que eram emigrantes que tinham vindo para a construção civil cá para o Canadá, ó caralho… Raio de gente esquisita… Foda-se, quem é esta gente, caralho?!? Apeteceu-me mandar-lhes logo uma cotovelada nas trombas. Mas depois o Secretário disse-me, «eh, pá, ó Bicho, tem lá calma com essas cenas, senão ficamos sem gente para o ataque» e eu, ah, o caralho, e a quem a que eu mando fruta, deves pensar que vou ficar aqui ao frio sem mandar pau a ninguém, e ele «ah e tal, tens de te controlar» e eu, pois é, ó Secretas, e tu também vais ficar estes dias todos sem bater umas punhetas lá no quarto, queres ver? E ele «eh pá, não ‘tamos a falar das mesmas cenas», e eu, não ‘tamos o caralho, qu’esta merda também é uma necessidade básica para mim, e ele lá se calou e eu mandei um calduço no Caetano, ou no Vado, sei lá, que o virou ao contrário e fez com que ele fosse dar com as trombas nas costas do Paulo Alves e depois o Paulo Alves ficou com aquele nariz todo saído para a frente desde essa altura. Mas ficámos todos amigos no final da competição e nunca mais lhes bati. Pelo menos, com muita força”.


Eis uma amostra dos estágios de Portugal no estrangeiro: 
uma verdadeira escola de virtudes.
O local dos jogos foi a moderna Skydome, que emprestou o seu nome à competição, um novel ex-libris – ou mamarracho, consoante a perspectiva – do Ontário. E otários não foram os jogadores. Segundo o que os próprios responsáveis federativos confidenciaram, aconteceram episódios “caricatos”, quiçá roçando o rocambolesco, que é um adjectivo normalmente aplicável aos portugueses quando vão para longe da pátria em grandes grupos, vide Saltillo e Coreia-Japão. Alfredo, o guarda-redes que cantava menos entre os eleitos para defender os postes, levantou a ponta do véu. “Eheheheh… o que eu curti!… Meu, o que eu curtiiiiiiiiiii… bem, aquela cena do tipo que vai assim com a tipa que… eiiiich!, meu, eheheheheh!, meu, só visto, ‘tás a ver? Bem, e aquela do outro que caiu em cheio com o queixo em cima da cena que o outro meteu a fritar no quarto da… ena pá! Ganda cena, meu! Mas não quero dizer mais nada… podia contar aquela em que nós fomos atrás dos outros que iam com a coisa de fora a abanar pelo meio do coiso até aparecer o fulano com o sicrano e disse aquilo do sócio do gajo que até era cunhado do tal… mas não quero lançar suspeitas à toa. Só sei que curti com’ó caraças! Perguntem ao Tulipa”. Mas Tulipa não adiantou muito. “Quem? Eu? Desminto categoricamente. Eu estive lá? Duvido. Eu fui campeão de juniores em Lisboa, isso sim”… Tulipa esteve por lá, sim. Discreto e atordoado pela convocatória, mas presente, ele que andava naquela altura entre o Belenenses e o Salgueiros a espreitar um arranque de carreira que nunca se concretizou verdadeiramente, pese embora os 20 minutos de competição na Skydome. Ainda assim, melhor que Barroso, o lançador de torpedos bracarense, que entrou a um minuto do fim do primeiro jogo para inverter a tendência. “O mister lançou-me e deu-me ordens muito concretas: é para ir lá para o meio e não fazer rigorosamente nada, para não sair merda. Ele já me conhecia bem e sabia que eu era propenso a fazer merda. Se houvesse um livre, então eu mandaria o balázio do costume. Mas não houve”. E assim, a marca de Barroso nesta competição foi completamente ofuscada. “Mas não me arrependo de nada e hoje julgo que a minha vida é muito melhor depois da Skydome Cup. A Skydome foi o Imodium Rápido que eu nunca tive”, assume, sem remorsos.

Pois é, a Skydome. Custo de construção: 625 milhões de dólares canadianos. Inaugurada em 1989, albergou jogos de futebol canadiano, beisebol e até de basquetebol a partir desse ano de 1995. Foi a primeira arena da América do Norte a possuir um tecto completamente retráctil e funcional. Dela disse o presidente da entidade gestora do recinto aquando da inauguração: “The name has a sense of the infinite and that's what this is all about”. O conceito a reter é o infinito. E, nem de propósito, foi aqui que as hostes lusas se lançaram para a imensidão da eternidade, para os braços meigos da glória perene.

2 comentários:

Anónimo disse...

nao consigo ver o video .... :(

Anónimo disse...

Experimenta outro browser...

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